“Já se disse que a Lei Maior é violada quando o advogado inculto postula contra o promotor selecionado por concurso de títulos e provas, porque então deixa de existir o contraditório, que a Constituição declara ser essencial no processo-crime. Mas não é só no juízo criminal que a atuação do advogado incapaz deve ser coibida. No cível, são as camadas mais humildes da população que se prejudicam, pois as de categoria mais elevada procuram profissionais ilustres e prestigiosos. Sem possibilidade de procurar escritórios de alto padrão, as classes pobres é que acabam suportando as consequências da advocacia mal exercida, até porque o despreparo – as centenas de processos disciplinares o confirmam – leva quase sempre à desonestidade.”

Reportagem de Paulo Henrique Arantes.

O trecho acima, a vestir como luva no momento atual, em que mais uma vez se tenta acabar com o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, foi escrito em 1971 por Cid Vieira de Souza, então presidente da OAB-SP. Prevista pela Lei 4.215/63, a prova para ingresso do bacharel na advocacia foi implantada definitivamente naquele ano, então em caráter facultativo, fruto do empenho de Vieira de Souza e outras lideranças da advocacia. Outra vitória viria em 1994, quando a aprovação do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) tornou o exercício da profissão condicionado à aprovação no Exame da OAB.

As razões para a existência de uma prova seletiva destinada a graduados em Direito no Brasil são inúmeras –  a péssima qualidade do ensino na maioria das faculdades de Direito é a principal, aliada ao enorme e crescente número dessas escolas. A importância do Exame de Ordem para a correta aplicação da justiça é de clareza solar, mas há aqueles de se recusam a enxergá-la, talvez obnubilados por interesses inconfessáveis.marcos-da-costa-1

Hoje, a voz mais estridente contra o Exame de Ordem é a do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cuja influência tem feito tremer cada vez mais o já combalido Palácio do Planalto. Cunha é autor do Projeto de Lei 2.154/11, que, em suma, acaba com a prova da OAB. E já anunciou que não demorará a colocá-lo em votação. A advocacia mobiliza-se para detê-lo.

“Nós, presidentes de todas as secionais da OAB, estivemos reunidos em Brasília com a diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e com um grande número de parlamentares, os quais se comprometeram a defender o Exame de Ordem”, diz o presidente da OAB-SP, Marcos da Costa. “Além disso, já oficiamos todos os deputados federais por São Paulo, solicitando apoio formal à manutenção do Exame. Também pedimos a todas as subseções paulistas que sensibilizem os parlamentares de suas regiões para extrair deles esse mesmo compromisso”, acrescenta. À ação junto aos congressistas soma-se uma ampla campanha de mobilização da advocacia e da sociedade em geral, como descreve Marcos: “Vamos mostrar que o Exame de Ordem é um instrumento de proteção do cidadão, para que ele, quando precisar defender sua liberdade, seu patrimônio, sua vida, conte com um profissional qualificado”.

Pela força política que o presidente da Câmara dos Deputados tem demonstrado – Eduardo Cunha seria um “trator”, como dizem os mais afeitos aos bastidores de Brasília –, a luta da advocacia será dura, mas nem de longe está perdida. “Todas as tentativas anteriores de acabar com o Exame de Ordem não foram bem sucedidas, e também o Projeto de Lei 2.154 não deverá prosperar. Somos contrários e vamos trabalhar para que ele não prospere”, assegura o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que integra a chamada “Bancada da Advocacia”, grupo liderado pelo deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP).presidente-da-câmara-2

“O PL 2.154 pode até ser aprovado na Câmara, mas no Senado não será”, prevê Faria de Sá. O parlamentar diz que Cunha posiciona o fim do Exame da OAB como um de seus principais objetivos, e explica porque espera sua vitória parcial: “Ele vai negociar com os partidos para aprovar e vai acabar conseguindo. Nós só podemos derrotá-lo nas votações por maioria absoluta, mas ele vai levar o projeto para votação no mérito, por maioria simples”.

A advocacia espera contar em sua luta com o apoio do vice-presidente da República, Michel Temer, que michel-temer-3pode ser decisivo. Temer, que agora acumula com a Vice-presidencia a Secretaria de Relações Institucionais do governo, foi responsável pela inclusão da indispensabilidade do advogado para aplicação da justiça na Constituição (Artigo 133) e tem sido frequente aliado da classe. “O Exame de Ordem é uma importante ferramenta para a OAB preservar e aperfeiçoar a qualidade dos advogados que ingressam no mercado de trabalho”, reconhece Temer.

Corporativismo? – “Nós estamos vivendo uma situação atípica, porque o deputado que foi eleito presidente da Câmara sempre fez campanha, nos seus mandatos anteriores, pregando para bacharéis que são reprovados no Exame de Ordem até oito vezes. Ele sempre se elegeu com o voto desse contingente.” Quem recorda é o ex-presidente da OAB-SP e do Conselho Federal da OAB José Roberto Batochio, em cuja gestão no segundo, em 1994, aprovou-se o Estatuto da Advocacia. “Com isso, ele está fazendo um grande mal ao país, um grande mal à justiça, um grande mal à sociedade”, adverte.

Na opinião de Batochio, os detratores do Exame da OAB, para os quais o dispositivo nada mais é do que ranço corporativista, enganam-se redondamente. “Trata-se de um mecanismo criado em defesa da batochio-4própria sociedade, da democracia, porque sem advogados eficientes o Poder Judiciário não cumprirá sua tarefa precípua de compor os conflitos de interesse de acordo com a norma prescrita por todos – a lei”, avalia.

Marcos da Costa, na mesma linha, enaltece a dupla relevância do advogado para justificar a necessidade do Exame de Ordem: “É preciso destacar o papel do advogado no contexto individual, na defesa dos direitos do cidadão, e no contexto institucional, no que tange à sua indispensabilidade na administração da justiça”.

Estão alinhados à OAB-SP nas ações em defesa do Exame de Ordem a Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), o Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e a Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (AATSP), entre outras instituições representativas da classe. “Não há a menor dúvida da necessidade do Exame da OAB, tanto por sua conveniência quanto por sua legitimidade e sua constitucionalidade”, salienta o presidente do Iasp, José Horácio Halfeld Ribeiro. “O Conselho da AASP já examinou o projeto do deputado Eduardo Cunha e, sem dúvida alguma, estamos ao lado da OAB-SP nessa luta em defesa do Exame”, assevera o presidente da Associação, Leonardo Sica, e vai além: “É incompreensível para nós a iniciativa da Câmara de abolir um sistema consagrado como o Exame de Ordem sem ao menos ouvir os profissionais da área e suas entidades representativas”.

Para o presidente da AATSP, Lívio Enescu, o Exame da OAB é exemplo para as demais carreiras e a tentativa de extingui-lo é “demagógica”. Ao lembrar das ações que resultaram na instituição da prova, nos anos 1970, Enescu diz: “Cid Vieira de Souza já dizia que é tarefa da Ordem se preocupar com a formação dos seus pares. O Exame da OAB vem no bojo da qualificação, e a AATSP está 100% alinhada com a Ordem nessa luta”.

faculdade-de-direito-5Um cenário sombrio, a ser evitado.

Imaginem-se milhões de bacharéis despreparados apresentando petições individuais, muitas delas sem o menor sentido jurídico e redigidas num português um tanto menos que pedestre. É isso que se quer? Vislumbre-se a advocacia exercida como segunda profissão, nas horas vagas, por trabalhadores de outras áreas. O que será do jurisdicionado?

A suposta “seleção natural” dos profissionais pelo mercado de trabalho é uma falácia: como um ente abstrato como o mercado irá selecionar entre milhares e milhares de bacharéis lançados à praça todo ano? Não há tempo para isso, e a advocacia seria inevitavelmente proletarizada com o fim do Exame da Ordem.

Como está, com o Exame da OAB obrigatório em vigor, a quadra já é preocupante. “Houve uma massificação do meio jurídico em termos de produção de profissionais, e essa massificação reflete-se em falta de credenciais e de capacidade de operar profissionalmente. Isso é muito negativo”, pondera Paulo de Barros Carvalho, professor emérito das Faculdades de Direito da Universidade de São Paulo e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Sem o Exame nós vamos nivelar a classe dos advogados por baixo”, enfatiza.

O Brasil tem 1.260 faculdades de Direito – mais do que a somatória delas no resto do mundo. As escolas de boa qualidade são exceção, o que é notório não apenas no Direito. Os médicos, por exemplo, há tempos tentam sem sucesso instituir seu Exame de Ordem.barros-carvalho-6

O boom de cursos jurídicos no país não começou ontem. Quando Cid Vieira de Souza emplacou o Exame da OAB na lei, em 1971, já era crescente número de faculdades de Direito de qualidade duvidosa. Nos últimos anos, o apetite econômico dos “empresários da educação”, aliado à ânsia governamental por levar o ensino superior ao maior número possível de brasileiros, aprofundou o problema.

“A educação hoje é um mercado promissor para quem quer investir grandes importâncias. Foram criadas inúmeras faculdades que despejam profissionais no mercado. Em função disso, há bacharéis que não sabem escrever ou que escrevem com erros gravíssimos de português. Como uma pessoa assim pode postular perante a Justiça em nome do seu representado?”, indaga Barros Carvalho.

Para José Roberto Batochio, a proliferação indiscriminada das faculdades de Direito “retrata a mercantilização do ensino superior no Brasil”. Contra essa tendência o ex-
presidente da Ordem dos Advogados do Brasil chama a atenção: “O Exame de Ordem não é um filtro que se idealizou em benefício dos interesses da entidade representativa dos advogados, a OAB. Constitui, isto sim, uma defesa da sociedade contra os maus profissionais, contra aqueles
profissionais que não se mostram habilitados para com a eficiência, o preparo, o apuro técnico para patrocinar os interesses dos cidadãos perante os tribunais”.

aprobato-7Rubens Approbato Machado, outro ex-presidente da OAB-SP e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, lembra que a proliferação dos cursos de Direito de má qualidade começou durante o regime militar, por inspiração ideológica da Escola Superior de Guerra, que não podia “cortar a língua” dos advogados, mas criou um meio de tomar-lhes a fala: mediante sua má formação. “O Exame de Ordem foi criado para que o país não caísse no descalabro. A democracia só sobrevive num sistema jurídico perfeito, e isso só consegue com advogados qualificados”, enfatiza Approbato. E vai além: “Acabar com o Exame da OAB provocará uma lesão na democracia e comprometerá a paz social”.

Presidente da OAB-SP, Marcos da Costa lembra que a Ordem vem há tempos alertando o governo sobre a necessidade de se adotarem critérios rigorosos para aprovação de novos cursos de Direito, bem como de novas vagas em cursos já existentes. “Isso era simplesmente desconsiderado pelo Ministério da Educação. Mais recentemente, a pedido da OAB, a pasta parou de autorizar a abertura indiscriminada de novas escolas, e tem fechado outras, mas em número aquém do necessário”,
explica Marcos. Está em discussão proposta do Conselho Federal da Ordem que institui um novo marco regulatório do ensino jurídico no país.

Cursos extintos significam alunos a ver navios. Trata-se, contudo, de um “drama social”, como classifica Marcos da Costa, a ser vencido, mas que não pode justificar que se cerrem os olhos diante da má qualidade do ensino jurídico e de suas consequências à democracia. “Esses milhões de bacharéis que, certamente com sacrifício, foram cursar uma faculdade de Direito, acabam vivendo uma frustração
muito grande quando verificam que a faculdade escolhida não lhes deu condições para uma boa formação. Esse drama social tem de ser enfrentado, mas não quebrando o instrumento que hoje existe de demonstração da qualidade ou da falta de qualidade dos cursos, que é o Exame de Ordem”, argumenta o presidente da OAB-SP.

marcus-vinicius-8“Todos os bacharéis em Direito, desde que ingressam na faculdade, têm ciência de que o curso não habilita por si só ao exercício da advocacia. O Exame de Ordem dá garantias ao cidadão de que ele terá na defesa de seus interesses um profissional capacitado a assegurar seus bens, sua liberdade e sua ampla defesa”, destaca o presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho. “O fim do Exame tiraria do cidadão tais garantias, colocando-o à mercê de muitos cuja atuação profissional deficitária seria incapaz de articular com precisão a tese jurídica necessária à proteção do cliente contra agressões a seus direitos e interesses. Num cenário onde todos os demais são bem preparados, passando inclusive por concursos públicos de alto grau de dificuldade, como por exemplo membros do Ministério Público e delegados, o cidadão estaria sem a devida paridade de armas”, discorre Marcus Vinícius.

No mundo desenvolvido, como aqui.

Autor do livro “Advocacia ao Redor do Mundo” (editora Lex Magister), escrito em parceria com Lisiane Granha Martins de Oliveira, o advogado e professor de Direito George Niaradi afirma que o Exame de Ordem é obrigatório em quase todos as países desenvolvidos. “É uma forma de proteger a sociedade dos maus profissionais”, diz. A jornalista Aline Pinheiro fez um levantamento da situação na Europa, publicado pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

“Na Europa, não tem escapatória. Quem quer trabalhar como advogado precisa prestar Exame de Ordem. Praticamente todos os países europeus exigem que o bacharel em Direito seja aprovado pelo conselho de advocacia local ou, pelo menos, que se submeta a programas de treinamento oferecidos pelo órgão” escreveu Aline.

Até 2011, a Espanha não tinha nenhum tipo de exame depois da graduação e, por essa razão, era um dos países com maior número de registros profissionais. Pessoas que se formavam em outros países validavam seu curso na Espanha, obtinham o registro e, com ele, o direito de trabalhar em toda Comunidade Europeia.

Por pressão das demais nações do continente, preocupadas com a baixa qualidade dos advogados “espanhóis”, o país de Cervantes também instituiu o exame e deixou Andorra como o único país europeu onde ainda se pode advogar sem a aprovação de um conselho profissional.

As regras são muito rigorosas na Alemanha. Depois de concluir a graduação, o profissional formado presta um Exame de Estado. Se aprovado, segue para um estágio obrigatório de dois anos (semelhante à residência médica no Brasil), depois submete-se a uma nova avaliação. Se aprovado, pode exercer a profissão em sua plenitude.

Na França, depois de um curso de graduação que dura três anos, o candidato a advogado se submete a um Exame de Estado. Uma vez aprovado, também tem de fazer um estágio de dois anos antes de receber a inscrição definitiva.

Em Portugal o exame é obrigatório, mas sem a necessidade de estágio. Para os brasileiros inscritos na OAB, por força de acordo internacional, a inscrição é automática, desde que haja uma indicação por um advogado português.

O exame é obrigatório nos Estados Unidos, mas as regras mudam de Estado para Estado. Na Califórnia, por exemplo, é possível prestá-lo logo depois de concluir a graduação. Na Flórida e no Estado de Nova Iorque, não. Nesses locais, além da graduação exige-se o LLM, um tipo de pós-graduação lato sensu.

Na América do Sul, apenas Argentina e Uruguai não realizam exame de Ordem.

4 Comentários
  • Postada por willow março 07, 2022 at 16:29

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  • Postada por willow março 08, 2022 at 18:20

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