​Taxativo ou exemplificativo? O caráter do rol de procedimentos e eventos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi o tema do segundo dia de debates da terceira edição do Seminário Jurídico de Seguros. Promovido pela Revista Justiça & Cidadania, o encontro por videoconferência tem o apoio do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e foi transmitido ao vivo pelo YouTube.

As discussões virtuais nesta quarta-feira (11) contaram com a participação dos ministros do STJ Luis Felipe Salomão e Moura Ribeiro; do procurador-geral da ANS, Daniel Tostes; e dos professores Gustavo Binenbojm (Faculdade de Direito/UERJ) e Denizar Vianna (Faculdade de Ciências Médicas/UERJ). Entre os expectadores, acompanharam o evento os ministros Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze.

Os ministros Luis Felipe Salomão e Moura Ribeiro lembraram que a jurisprudência do STJ inclui decisões que consideram o rol de procedimentos da ANS tanto taxativo quanto exemplificativo. Segundo os ministros, a Segunda Seção deve uniformizar o entendimento do tribunal em torno da matéria no EREsp 1.733.013, cujo relator é o ministro Marco Aurélio Bellizze.

Judicialização “q​​uase alucinada”

Para Salomão, o rol de procedimentos da ANS é taxativo. Ele demonstrou preocupação com o fenômeno da judicialização “quase alucinada” na área da saúde. Para o ministro, o crescente volume de decisões judiciais que obrigam planos de saúde a oferecer remédios e tratamentos não previstos pela ANS gera insegurança jurídica e acaba prejudicando o ambiente de negócios no setor. “Precisamos tirar a saúde desse atoleiro da judicialização e deixar a ANS cumprir o seu papel”, disse.

Salomão destacou que um dos motivos da judicialização da saúde é a ineficiência das agências reguladoras. Ele criticou o prazo legal de dois anos para a ANS atualizar a cobertura mínima de procedimentos a cargo dos planos de saúde.  

“A despeito da segurança que se precisa ter, no mundo de hoje, dois anos é uma eternidade, sobretudo para quem está tratando uma doença terminal. A burocracia não pode superar a necessidade, senão vai cair no descrédito”, enfatizou o ministro.

Casos d​ifíceis

Moura Ribeiro chamou a atenção para as causas “tormentosas” e “dolorosas” no âmbito da saúde que pedem uma resposta do Poder Judiciário. Apesar de concordar que seria ideal existir um “trilho absolutamente seguro” em relação ao rol de procedimentos da ANS, ele ressaltou que, ao mesmo tempo, tal situação significaria “engessar” o magistrado na apreciação do caso concreto.

O ministro defendeu que, em situações específicas, os planos de saúde tenham de oferecer remédios e tratamentos fora da lista da ANS.

“O capital deve ter um viés humano. Penso que o capital, antes de mais nada, deve ter um perfume bom, deve ter alma. É exatamente em nome do capital que se buscam as melhores condições para o bem comum”, ressaltou.

Prejuízo ao p​​​aciente

Ao se posicionar a favor da taxatividade do rol de procedimentos da ANS, o procurador-geral da agência, Daniel Tostes, afirmou que a ampliação judicial da cobertura mínima exigida dos planos de saúde compromete a sustentabilidade econômica das empresas do setor e, consequentemente, o atendimento aos usuários.

“Mais de 70% das operadoras do Brasil são de pequeno e médio porte, que são muito mais atingidas por demandas que não tenham sido previamente estabelecidas. A ausência de clareza sobre os riscos que a operadora está assumindo tem o potencial bastante elevado de gerar desassistência”, alertou Tostes.

Defe​​rência

Na mesma linha, o professor de direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Gustavo Binenbojm frisou que, no mundo inteiro, o Judiciário vem sendo provocado a adotar uma postura mais deferente no tocante às escolhas da administração pública.

“O excesso de judicialização e a interpretação do rol de procedimentos da ANS como meramente exemplificativo traz consequências do ponto de vista da isonomia, porque o acesso à Justiça é assimétrico. Existe também um problema de custo e efetividade, porque o Poder Judiciário não tem condições de fazer uma análise técnico-científica tão acurada quanto a das nossas agências”, avaliou Binenbojn.

Preci​pitação

Outro tópico do debate foi sobre como funciona o processo de incorporação de tecnologias ao rol da ANS. A explicação dos detalhes coube ao professor de ciências médicas da UERJ Denizar Vianna, que é ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. Para ele, há uma tendência em curso, em nível nacional e internacional, para a aprovação precipitada – sem “estudos mais robustos” – de remédios e tratamentos pelos órgãos regulatórios de saúde.

“Cada vez mais, medicamentos estão sendo registrados na fase dois [no total, são três fases de ensaios clínicos]. Então, estamos lidando com testes feitos em uma população pequena de pacientes, que não reflete o grupo populacional que vai ser tratado”, apontou Vianna.

Progra​​mação

No encerramento do seminário, em 18 de novembro, o tema será “O impacto da repercussão geral do STF – RE 827.996/PR, Tema 1.011 – nas ações de seguro habitacional do Sistema Financeiro de Habitação”. A transmissão terá início às 10h30. Os debatedores serão os ministros do STJ Villas Bôas Cueva e Gurgel de Faria; o procurador-geral da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Igor Lins da Rocha Lourenço, e o advogado Gustavo Fleichman.

O evento conta ainda com o apoio da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg), da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), da Escola Nacional da Magistratura (ENM), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação de Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

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